A dor nas costas afeta cerca de 80% da população mundial em alguma fase da vida, e possui prevalência (acomete neste momento) 10% da população, segundo a Organização Mundial da Saúde1. Entre as queixas mais frequentes em adultos na fase ativa, a dor na coluna lombar destaca-se por impactar significativamente a funcionalidade e a qualidade de vida. Muitas dessas dores são causadas por alterações estruturais e de posicionamento das vértebras, como ocorre nos casos de espondilólise e espondilolistese. Conhecer essas condições, suas causas, sintomas e opções de tratamento é fundamental para quem busca alívio e recuperação. Neste artigo, exploraremos essas condições e como um tratamento adequado pode melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Espondilólise: O que é?
Spondylo é o prefixo grego dessa palavra que significa “vértebra” enquanto seu sufixo “lise” vem da palavra lysis que significa quebra ou falha. A espondilólise (também conhecida como lise dos istmos) é uma fratura de estresse na pars interarticularis (fig.1), uma pequena porção da vértebra.
Fig. 1– O círculo vermelho representa a pars interarticularis no modelo de vértebra típica.
Essa pequena porção da vertebra é um dos responsáveis por manter a união de uma vertebra com a outra através de pequenos “ganchinhos” chamados facetas articulares . O problema é mais comum na região lombar e pode ser consequência de atividades repetitivas que sobrecarregam a coluna, como ginástica, ballet, levantamento de peso e futebol. Ela é frequentemente encontrada em adolescentes e jovens adultos ativos. Geralmente os pacientes possui alguma predisposição para desenvolver esse quadro, ou seja, nem todas as pessoas que praticam essas atividades, irão desenvolver a espondilólise.
Sintomas da Espondilólise (quadro clínico)
Os sintomas podem variar, e em alguns casos, o indivíduo nem sabe que possui este tipo de defeito na vértebra, mas geralmente incluem:
- Dor lombar que piora com a atividade física.
- Rigidez na coluna lombar.
- Espasmos musculares.
- Irradiação para membros inferiores.
Diagnóstico e Tratamento da Espondilólise
O diagnóstico geralmente é feito por meio de exames de imagem, como radiografias (figura 2) da parte inferior da coluna vertebral.
Fig. 2 – Radiografia da coluna lombar, onde a área demarcada em vermelho demonstra uma falha da “pars” que auxilia a manter as vértebras em seus lugares.
O tratamento apenas será necessário se o quadro causar sintomas e pode incluir:
- Repouso e modificação das atividades.
- Fisioterapia para fortalecer os músculos ao redor da coluna que auxiliam na estabilização do tronco e consequentemente na estabilidade da coluna. Além disso, a fisioterapia pode auxiliar ao alongamento de cadeias musculares que estando encurtadas, participam no processo de dor.
- Medicamentos anti-inflamatórios para aliviar a dor.
- O procedimento cirúrgico raramente é indicado e está reservado para casos em que o tratamento conservador feito com medicamentos e fisioterapia não estiver surtindo o efeito esperado.
Espondilolistese: O que é?
A coluna vertebral é uma estrutura longa localizada no tronco e formada por ossos chamados de vertebras que ficam “empilhados” uns sobre os outros. A espondilolistese ocorre quando uma vértebra desliza sobre a vértebra abaixo dela (fig 3). Esse deslizamento pode ser resultado de uma espondilólise, mas também pode ocorrer devido à degeneração, trauma ou defeitos congênitos. Existem diferentes graus de espondilolistese, variando de leve a grave, dependendo do grau de deslizamento.
Fig. 3 Deslizamento anterior da quarta vértebra lombar (L4) sobre a quinta (L5) definido como espondilolistese ou anterolistese (por ser no sentido anterior do corpo em relação a vértebra de baixo).
Ela pode ser classificada pela causa do escorregamento (Wiltse) ou pela gravidade do deslizamento (Meyerding):
Esses tipos de espondilolistese representam diferentes causas e mecanismos para o deslocamento das vértebras, e sua classificação ajuda a determinar o tratamento mais adequado. Aqui está um resumo das características de cada tipo:
1. Tipo I – Espondilolistese Displásica
– Causa: Defeito congênito (malformação) na vértebra, geralmente entre L5 e S1.
– Mecanismo que leva ao deslizamento é a falta de estabilidade (instabilidade mecânica) entre essas vértebras devido a anomalias no desenvolvimento. Os “ganchinhos” que auxiliam a manter as vertebras no lugar, costumam ser alongados permitindo seu deslizamento
– Faixa etária: mais comum em crianças.
– Tratamento: Pode variar de acompanhamento regular , tratamento clínico sem cirurgia ou até mesmo com cirurgia, dependendo da gravidade e dos sintomas.
2. Tipo II – Espondilolistese Ístmica ou Lítica
– Causa: Fratura crônica na pars interarticularis, conhecida como espondilólise.
– Mecanismo: Fratura na área que conecta as articulações posteriores da vértebra.
– Faixa etária: Mais comum em crianças e adolescentes.
– Tratamento: Inclui repouso, uso de colete ortopédico, fisioterapia e, eventualmente cirurgia.
3. Tipo III – Espondilolistese Degenerativa
– Causa: Com o tempo e o envelhecimento, as pessoas podem sofrer com um afrouxamento ou um alargamento das articulações que mantem as vertebras no lugar, permitindo o deslizamento de uma delas. Geralmente ocorre entre a quarta e a quinta vertebras lombares (L4 e L5).
– Mecanismo: Degeneração dos discos intervertebrais e articulações facetárias.
– Faixa etária: Veja que neste caso, a população mais acometida são os adultos mais velhos diferentemente dos outros dois tipos.
– Tratamento: Pode incluir fisioterapia, medicação para dor, e eventualmente cirurgia se o tratamento conservador não for eficaz.
4. Tipo IV – Espondilolistese Traumática
– Causa: Fratura súbita, devido a traumatismo ou acidente.
– Mecanismo: Impacto direto ou força excessiva nas vértebras.
– Faixa etária: Pode ocorrer em qualquer idade.
– Tratamento: Geralmente envolve tratamento conservador com repouso e imobilização, ou cirurgia em casos graves.
5. Tipo V – Espondilolistese Patológica.
– Causa: Fragilidade óssea causada por doenças como tumores, infecções ou doenças osteometabólicas.
– Mecanismo: Condições que afetam a integridade óssea, resultando em espondilolistese.
– Faixa etária: Pode ocorrer em qualquer idade, dependendo da condição subjacente.
– Tratamento: Tem como objetivo tratar inicialmente a condição doença de base e pode incluir medicamentos, cirurgia para remover tumores ou tratar infecções, e outras intervenções específicas.
A outra classificação importante é a que mede o grau de deslizamento, chamada Meyerding. Ela avalia o percentual linear do escorregamento de uma vértebra em relação a outra:
- Grau I: Deslizamento de 1% a 25%.
- Grau II: Deslizamento de 25% a 50%.
- Grau III: Deslizamento de 50% a 75%.
- Grau IV: Deslizamento de 75% a 100%.
- Grau V (Espondiloptose): A vértebra está completamente deslocada (figura x)
A F De acordo com a classificação de Meyerding ( A ) 0% a 25% é um deslizamento de Grau I, ( B ) 25% a 50% é um deslizamento de Grau II, ( C ) 50% a 75% é um deslizamento de Grau III, ( D ) 75% a 100% é um deslizamento de Grau IV e ( E ) espondiloptose > 100% é um deslizamento de Grau V; (F) esta imagem mostra todos os graus comparados com o alinhamento normal.
KOSLOSKY, Ezekial; GENDELBERG, David. Classification in brief: the Meyerding classification system of spondylolisthesis. Clinical Orthopaedics and Related Research®, v. 478, n. 5, p. 1125-1130, 2020.
Figura H: Escorregamento maior de 100% da vértebra, classificada como grau 5 e também chamada de espondiloptose ou espondyloptosis.
Sintomas da Espondilolistese
Os sintomas irão variar de acordo com a localização da lesão, o grau de escorregamento, a causa do escorregamento, a idade do paciente etc.. e podem incluir:
- Dor lombar persistente.
- Dor nas pernas ou coxas.
- Sensação de fraqueza ou formigamento nas pernas.
- Dificuldade em andar ou ficar de pé por longos períodos.
- Rigidez na região lombar.
- Dificuldade em controlar as funções do intestino e da bexiga.
Diagnóstico e Tratamento da Espondilolistese
O diagnóstico é semelhante ao da espondilólise, utilizando exames de imagem para confirmação do diagnóstico e avaliar o grau de deslizamento. O tratamento varia conforme a gravidade e os sintomas:
- Conservador: Inclui repouso, fisioterapia, analgésicos e/ou anti-inflamatórios, relaxantes musculares e uso de coletes ortopédicos.
- Cirúrgico: Em casos em que os pacientes não conseguem tolerar o quadro doloroso mesmo com o tratamento conservador ou quando observa-se que o paciente está apresentando perda de funções importantes como a sensibilidade dos membros inferiores ou a força motora para realizar atividades simples como ficar em pé, caminhar e levantar-se da cadeira por exemplo, a cirurgia pode ser necessária.
Tipos de cirurgias para espondilolistese
Essa é uma parte muito importante do tratamento! Digo isso, pois a sensibilidade e experiência de cada cirurgião irão fazer toda a diferença quanto aos resultados do tratamento. Existe mais de um tipo de cirurgia par a mesma doença e isso depende totalmente do médico que está tratando o paciente. As principais cirurgias para espondilolistese são:
- Laminectomia- Este procedimento é escolhido pelo médico cirurgião quando o paciente possui dor causada pela compressão das estruturas nervosas dentro da coluna. É realizada sem a necessidade de colocação de pinos ( parafusos) e costuma ser mais simples, com menos riscos e com recuperação mais rápida. Porém sua escolha precisa ser especifica para certo tipo de pacientes para que os resultados sejam satisfatórios.
- Laminectomia com artrodese- Neste caso, o cirurgião entende que há necessidade de corrigir o escorregamento ou então de deixar a coluna fixa, pois há uma movimentação anormal das vértebras que participam no processo doloroso. Para isso, são utilizados implantes cirúrgicos (pinos ou parafusos e hastes) para permitir que as vértebras fiquem estáveis após a cirurgia. Essa cirurgia, quando bem indicada, tem resultados muito bons, pois permite o retorno do paciente a uma vida próxima ou até normal. Existem diversas técnicas operatórias para fusão da coluna vertebral, por diferentes vias de acesso. Dentre elas podemos citar:
- A artrodese por via posterior (o acesso a coluna é realizado pelas costas- figura y TLIF) sendo colocado um espaçador (calço) para auxiliar na consolidação (“calcificação”) óssea juntamente com parafusos para manter o posicionamento.
A artrodese realizada por via anterior (o acesso a coluna é realizado pelo abdome e pelas costas) sendo colocado um espaçador através de uma incisão pelo abdome. Esta técnica tem a vantagem de proporcionar menor lesão a musculatura extensora lombar que é sabidamente muito importante para manter a “saúde” dos discos intervertebrais. Esta técnica é chamada de ALIF, da sigla em inglês que significa fusão intervertebral lombar anterior. Sua indicação possui características relacionadas a cirurgias prévias no abdome ou não, além de características especificas das relações entre a coluna e a bacia do paciente.
Figura y: tomografia mostrando uma espondilolistese de alto grau entre a quinta vertebra lombar e a primeira vertebra sacral (da bacia) com escorregamento grave. A figura a direita mostra a correção do escorregamento após cirurgia (TLIF). Fonte: acervo Dr. Guilherme Foizer. Publicação autorizada pelo paciente.
Espondilolistese: você será operado(a)? O que precisa saber?
A cirurgia para a espondilolistese visa a melhora do quadro de dor ou peso nas pernas. Em alguns casos, observamos também uma melhora do quadro de dor nas costas, embora isso seja variável. Os resultados estão associados a vários fatores, dentre eles o tempo de evolução da doença antes da cirurgia e o grau de perda de força e de sensibilidade do nervo afetado.
Pacientes com outras doenças (como fibromialgia ou alterações psiquiátricas por exemplo), podem ter resultados menos satisfatórios. Além disso, fumantes, sedentários, obesos mórbidos e pacientes com múltiplas doenças na coluna também podem ter resultados variáveis.
No período que antecede a cirurgia em 3 meses e após 6 meses, o paciente deve se preocupar em perder peso no caso de obesidade, parar com o cigarro e praticar atividades físicas que tolera.
O hospital entrará em contato com o paciente (geralmente um dia antes) para confirmar o agendamento cirúrgico e explicar o que levar para a cirurgia.
Sempre levar:
- Exames de sangue, exames do coração e exames de imagem da coluna
- As avaliações quando solicitadas, por exemplo: cardiologista.
- Produtos de higiene pessoal como escova de dentes, medicamentos que usa em casa, pijamas etc.. podem ser úteis.
Para a maioria das cirurgias os pacientes devem respeitar um jejum de 8h (para sólidos e líquidos) e parar com medicações especificas como AAS e anticoagulantes (sempre a critério dos médicos que estão acompanhando!)
Os pacientes serão orientados nesse contato sobre essas informações, assim como quanto ao horário de chegada ao hospital. Ao chegar, haverá uma recepção, onde serão solicitados os documentos pessoais, assim como os documentos referentes a cirurgia e avaliação dos exames. O processo é semelhante ao “check in” de um hotel e o paciente geralmente é avaliado por uma equipe de enfermagem e conduzido a um leito que pode ou não ser o leito no qual ele ficará após o procedimento.
O médico cirurgião ou um membro de sua equipe, passará no leito para realizar a confirmação de que se trata do paciente correto, assim como os detalhes cirúrgicos e esclarecer eventuais dúvidas que possam ter surgido entre a ultima consulta e o dia da cirurgia.
Algum tempo depois, o paciente é conduzido ao centro cirúrgico onde seu médico o espera e o acompanha até a sala onde será realizado o procedimento. Esta é uma etapa onde gosto de ficar junto com meus pacientes até o momento em que é anestesiado, pois sei que essa proximidade gera muita segurança para a pessoa que vai passar por uma cirurgia e está sozinha. Isso faz a diferença para o paciente e para os familiares pois podem confiar que não ficarão sem alguém conhecido em nenhum momento.
A cirurgia é realizada e após seu término, o paciente fica em uma sala de recuperação
anestésica por alguns minutos quando, após estar mais acordado da anestesia, é conduzido para a UTI (geralmente para ficar com atenção total por uma questão de segurança) ou diretamente para o quarto junto a sua família quando é possível.
Geralmente no dia seguinte a cirurgia, é estimulado que o paciente caminhe (com ou sem auxilio de um(a) fisioterapeuta e que fique mais tempo sentado. Pode ter sido necessária a colocação de um dreno, o que é muito comum. O paciente estimulado a ficar mais tempo sentado e no segundo dia o dreno costuma ser retirado. A partir daí, considera-se a alta para casa.
Em casa:
Ao chegar em casa, o paciente deverá ter um cuidado muito importante com a ferida operatória. O cirurgião irá orientar por escrito quais medicamentos deverão ser tomados e como serão dispensados os cuidados com a ferida e o curativo. Evitar pegar peso, e restrição de atividades físicas, dirigir.
A fisioterapia pode ser incentivada a partir do primeiro dia pos operatório estimulando-se o fortalecimento de membros inferiores, treino de marcha e analgesia.
Geralmente essas atividades irão voltar a fazer parte da sua rotina de maneira progressiva, esperando-se que por volta dos 90 dias o paciente já esteja apto a realizar a maioria delas.
Riscos
As cirurgias de coluna são procedimentos complexos e indicados em último caso, quando todos os outros métodos de tratamento falharam. Representam uma alternativa segura quando comparada aos riscos de não se operar mediante patologias especificas. Porem apresentam riscos reais que devem ser entendidos pelos pacientes. Em um estudo publicado na revista mais importante de cirurgia da coluna no mundo, que foi realizado nos EUA com mais de 66 mil pacientes observou-se taxa de mortalidade de 0,1%. Onze por cento dos pacientes tiveram uma ou mais complicações hospitalares; a taxa geral de complicações foi de 13 por 100 operações.
Hematoma/seroma (5,4 por 100) foi a complicação mais comum, seguida por complicações pulmonares (2,6), renais (1,8) e cardíacas (1,2). Infecção e lesão neurológica ocorreram em <1% dos pacientes. Pacientes mais velhos e aqueles com várias comorbidades tiveram maiores taxas de complicações hospitalares e disposição complexa. Em comparação com aqueles com idade entre 45 e 64 anos, os pacientes com idade entre 65 e 84 anos tiveram quase 70% mais probabilidade de ter complicações (OR: 1,67) e 5 vezes mais probabilidade de ter disposição complexa (OR: 5,84).
Kalanithi PS, Patil CG, Boakye M. National complication rates and disposition after posterior lumbar fusion for acquired spondylolisthesis. Spine (Phila Pa 1976) 2009;34:1963–9.
Conclusão
Espondilólise e espondilolistese são condições que podem causar dor significativa e limitar as atividades diárias. No entanto, com o diagnóstico adequado e um plano de tratamento personalizado, muitos pacientes conseguem encontrar alívio e recuperar a qualidade de vida. Se você está experimentando sintomas relacionados a essas condições, consulte um cirurgião de coluna para uma avaliação completa e para discutir as melhores opções de tratamento para o seu caso.
Conte comigo!
Grande abraço,
Dr. Guilherme Foizer
Cirurgião da coluna | CRM 114.430